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Ciclo falacioso de polícia volta como pauta requentada para solucionar segurança pública

Sacada da cartola como solução para todos os problemas policiais do País, teoria do ciclo completo não se adequa à realidade brasileira – e é inconstitucional.

Pauta reacendida no Congresso Nacional e apresentada como solução para diminuir a criminalidade no Brasil, o ciclo completo de polícia voltou aos debates do Parlamento brasileiro com mais intensidade, a partir da nova Legislatura. Em outubro de 2019, a Câmara dos Deputados chegou a instalar a Comissão Especial sobre Competência Legal para Investigação, para tratar do tema. Desde então, são realizadas audiências públicas com a presença de diversos agentes da área, parlamentares e entidades de classe para discutir o assunto.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) participa ativamente dos debates, onde defende o aperfeiçoamento da política de segurança pública com mais investimento, cooperação e integração das polícias, mas, sem invadir a atribuição umas das outras, como sugerem os defensores do ciclo completo: ou seja, a mesma polícia que faz o trabalho preventivo e ostensivo passaria a ter autorização para, também, investigar. Trata-se de uma afronta à Constituição Federal, que separa essas atribuições conferindo às polícias Militar, Rodoviária Federal e guardas municipais o poder de prevenção (policiamento e patrulhamento ostensivos), e, às polícias judiciárias (Civil e Federal), a investigação criminal.

Segundo o presidente da ADPF, Edvandir Paiva, não se deve retirar o direito do cidadão de ter a conduta analisada por alguém que conhece o Direito. “O cidadão quando precisa de um médico não quer ser atendido por um enfermeiro. O mesmo ocorre quando precisa da polícia ou tem algum direito seu relativizado. Quer que sua situação seja analisada por um profissional que conheça profundamente o Direito a ser aplicado”, argumenta.

Ele lembra que a separação dessas atribuições, bem como a forma de ingresso nas polícias, existem, justamente, para garantir a aplicação do direito por alguém que seja qualificado para tal. Daí a exigência da formação em Direito e experiência na área jurídica ou policial para ser delegado de polícia federal. Para as demais forças de segurança não é exigido esses pré-requisitos para o ingresso nas respectivas carreiras. Há casos de policiais brasileiros, por exemplo, que entraram na corporação sem ter o 1º grau completo. Outros concursos públicos na área só exigem o nível médio. “E se a atribuição de investigar for ampliada para todas as polícias, com que respaldo esse policial, que não tem conhecimento amplo da área jurídica, vai aplicar o direito ao cidadão?”, indaga Paiva.

Investigação sem controle

Uma das alegações para a implantação do ciclo completo de polícia são índices falaciosos de elucidação de crimes, numa clara tentativa de desqualificar o modelo de investigação brasileiro. “Há pontos a serem aperfeiçoados, sim, no modelo de investigação do Brasil. Mas, se este modelo está falido, então por que a Polícia Federal tem 94% de inquéritos de combate à corrupção solucionados, de 2015 a 2018? Assim como os relatórios de gestão da PF que apresentam índices acima de 70 por cento em todos as espécies de crimes investigados? Sem contar as polícias civis que tem também índices satisfatórios de elucidação de crimes em determinados locais”, reage Edvandir Paiva. Os 94% mencionados são referentes a pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Deputado federal Marcelo Freitas, delegado da PF, alerta os congressistas sobre os riscos de implantação do ciclo completo de polícia

O deputado federal Marcelo Freitas (PSL-MG), com mais de 20 anos de delegado de Polícia Federal, vai além e faz um contraponto. “Esse modelo que está sendo proposto pode ensejar deficiências absurdas, especialmente, na prevenção. Porque se há os crimes, significa, também, que a prevenção falhou”, diz o parlamentar. Ele refere-se à atribuição constitucional das polícias militares de fazer patrulhamento ostensivo e preventivo. “Quando se discute os aspectos da segurança pública, todos os pontos da persecução criminal precisam ser observados. Com a valorização dos órgãos de controle e dos órgãos vinculados à segurança, podemos trabalhar com uma repressão qualificada”, defende o deputado.

Atualmente, mesmo com as forças de segurança cumprindo, cada qual, o seu papel constitucional, ainda há muitos pontos a serem melhorados na prevenção e na investigação de crimes. Por isso, é difícil de imaginar como seria se uma mesma polícia fosse autorizada a cuidar de todas as ações inerentes à persecução penal. Na avaliação do delegado Paiva, caso a hipótese do ciclo completa seja aceita, irá faltar policial na rua para prevenir os crimes porque a instituição estará ocupada investigando delitos. Pior ainda: delitos em que, eventualmente, seus próprios agentes possam estar envolvidos, sejam como vítima, autores ou testemunhas. “Se for assim, onde ficará a imparcialidade do policial militar ou guarda municipal que acabou de atender uma ocorrência e, logo em seguida, vai lavrar o auto de prisão em flagrante?”, questiona Paiva.

Para Paiva, investigação sem controle gera abuso, entre outras condutas arbitrárias. De fato, o modelo atual de investigação tem controle do Ministério Público e do Judiciário. Com o ciclo completo, não há garantia de que isso ocorrerá. Além do mais, com relação ao controle da investigação para evitar excessos, não se pode esquecer da cultura que permeia a formação dos policiais militares brasileiros.

Pesquisa do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre as legislações disciplinares das corporações de segurança pública, mostra que, na formação dos PMs, o militarismo se impõe com regramentos autoritários e, não raras vezes, antidemocráticos. “Não é razoável esperar dos policiais uma atitude democrática e tolerante com a população se eles são tratados de forma autoritária”, diz o estudo.

“Basta um pouco de conhecimento de história do Brasil para saber que militarizar a investigação criminal não é boa ideia”, citam os delegados de Polícia Civil Francisco Sannini Neto e Henrique Hoffmann Monteiro de Castro, em artigo publicado no site da ADPF. Para eles, admitir, em pleno século XXI, a investigação de crimes comuns por parte da PM, é o mesmo que voltar com o Ato Institucional número 5 e com o Decreto-Lei 898/69, ambos da ditadura militar (1964-1985), que possibilitavam a condução, prisão e investigação de civis por militares.

“Se um policial militar de patente mais baixa entender não ser o caso de autuação em flagrante ou lavratura de termo circunstanciado, um policial militar mais graduado poderia ordenar que o faça sob pena de responsabilidade administrativa?”, questionam os delegados de Polícia Civil Rodrigo Bueno e André Luiz Bermudez, também em artigo conjunto, em referência à hierarquia e disciplina que pautam a conduta dos militares.

Fragmentação das polícias

Para o delegado federal e ex-presidente da ADPF Marcos Leôncio Ribeiro, o ciclo completo não é “da polícia” e, sim, “das polícias”,  com todas trabalhando de forma integrada. Ele compara o sistema e segurança pública e Justiça, estabelecido na ordem constitucional vigente, como um trem do metrô transitando por várias estações.

A primeira estação denominada “prevenção”, seguida por outras, na área do trabalho policial: a “ostensividade” e a “investigação”. Na sequência, na seara judicial, vêm a “acusação”, a “defesa” e o “julgamento”. E, já no âmbito prisional, as duas últimas: a “execução penal” e a “ressocialização”.

Segundo Leôncio, essa linha de metrô, porém, se caracterizou nos últimos anos como uma via sem integração entre as suas estações, causada pela falta de gestão e investimento público. “E, portanto, com o ciclo completo ineficiente”, acentua. Para ele, tudo isso gera a sensação de insegurança e impunidade no cidadão usuário desse sistema.

A respeito da discussão do ciclo completo, o ex-presidente da ADPF avalia que ela já começa de maneira equivocada ao reduzir de forma simplista a solução da segurança pública no Brasil a uma mera reforma policial. “Reforma que, por sua vez, é debatida a partir de embates entre as carreiras policiais e até entre as suas corporações”, afirma. O delegado federal também critica o fato de os defensores da proposta terem como referencial a importação pura e simples de modelos policiais estrangeiros, sem considerar a realidade nacional e o que é melhor para a sociedade e o Estado brasileiro.

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Escrito por maiara

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