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Artigo: Polícia Judiciária e garantias

*Por Polyana de Medeiros Fernandes Pimenta

A Polícia Judiciária abarca uma atividade jurídico-criminal investigativa que impõe limitações aos direitos dos cidadãos, justificando que os investigados possam invocar direitos constitucionalmente garantidos para que iniciem sua defesa ainda em fase investigatória.

Algumas garantias orgânicas podem proporcionar uma maior segurança e independência à Polícia Judiciária, e, consequentemente, uma maior aproximação da verdade que se busca na investigação criminal, proporcionando uma atuação de forma independente e imparcial.

Nessa análise, busca-se então traçar um paralelo da atividade de Polícia Judiciária com a atividade jurisdicional e suas garantias. Considerando que a primeira é situada no processo penal em sentido lato, conforme indica a própria Exposição de Motivos do Código de Processo Penal no item IV, onde o legislador trata o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, e não mero procedimento.

Garantias Orgânicas

As garantias orgânicas relativas à jurisdição foram construídas ao se buscar qualidades requeridas ao juiz em relação às suas funções, abordando quais as que melhor garantiriam a eficiência e a adequação de sua atuação. Luigi Ferrajoli[1] discorre que a jurisdição está sujeita ao princípio da estrita legalidade, destacando que a atividade jurisdicional é privada de orientações políticas.

A primeira garantia orgânica da Jurisdição apontada por Luigi Ferrajoli[2] é a separação entre o juiz e a acusação, considerando o processo como uma relação triangular entre três sujeitos, duas partes em causa e um terceiro suprapartes: o juiz. Essa estrutura triádica é uma das características do processo acusatório, estrutura necessária para garantir a equidistância do juiz em relação aos interesses contrapostos.

O juiz precisa distanciar-se dos escopos perseguidos pelas partes, pessoal e institucionalmente. Quem decide não pode ter qualquer interesse privado ou pessoal na solução da causa e não pode buscar obter maior utilidade ou satisfação com a vitória de uma das partes em detrimento da outra.

Ao órgão acusador, entretanto, não se exige a imparcialidade, posto que tem o interesse jurídico na condenação e está convencido da culpa do acusado. É parte no processo penal, e este é o seu escopo. Dessa forma, ao Ministério Público deve caber apenas a acusação, excluídas funções decisórias.

No Estado de Direito preza-se pelo equilíbrio entre os poderes, especialmente entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público[3], alicerce que permite argumentar que o órgão investigador e o órgão acusador devem ser sujeitos diferentes na investigação criminal. O investigado merece um olhar imparcial da autoridade que vai perscrutar a verdade dos fatos, pois, à semelhança do processo penal, a investigação não se destina à acusação apenas, nem à defesa, mas à justiça e à busca da verdade de forma imparcial.

A preservação da paridade entre as partes diante do órgão julgador ou do órgão investigador, princípio que decorre da garantia procedimental do contraditório, é necessária para preservar o Estado de Direito, que adota o sistema processual penal acusatório e não inquisitório.

Trata-se de uma garantia que remete ao devido processo legal e contraditório, e, como tratado por Eliomar Pereira[4], “devemos entender que a investigação direta pelo órgão oficial de acusação apenas aprofunda as raízes inquisitivas do sistema processual penal”. Dessa forma, se não cabe ao juiz que tenha funções acusatórias, não se pode admitir que a acusação tenha funções judiciais ou investigatórias.

O modelo que mais se adequa ao sistema acusatório em consonância com os direitos fundamentais é o que posiciona o órgão julgador, a acusação e o investigador em sujeitos distintos. Dessa maneira, a Polícia Judiciária deve ser fortalecida e distanciada das partes em questão, à semelhança da jurisdição.

A segunda garantia orgânica defendida por Luigi Ferrajoli[5] é a independência da jurisdição de todos os outros poderes, o que proporciona uma justiça não subordinada à razão de Estado ou interesses políticos momentâneos. Essa independência tem duas vertentes: a que se busca assegurar à jurisdição nos confrontos com outros poderes; assim também ao juiz enquanto indivíduo, nos confrontos de poderes hierárquicos internos à classe que pudessem influenciar a autonomia do julgamento.

Nesse contexto, considerando o papel da Polícia Judiciária como “função essencial à Justiça”[6], a garantia da independência é indispensável para que a investigação criminal se desenvolva também subordinada à lei e ao procedimento previsto legalmente, buscando a verdade dos fatos, e não impactada pela opinião pública ou pelos interesses políticos.

A Polícia Judiciária, destinada à investigação dos crimes e à execução dos provimentos jurisdicionais, ainda segundo Luigi Ferrajoli[7], deveria estar separada rigidamente dos outros corpos de polícia e dotada, em relação ao Executivo, das mesmas garantias de independência que são asseguradas ao Poder Judiciário.

GARANTIAS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A legislação brasileira abarca dispositivos que abrangem aspectos referentes a garantias orgânicas da Polícia Judiciária, embora persista a necessidade de consolidá-las. 

Assim, a previsão constitucional é de que a investigação criminal é atribuição da Polícia Judiciária, ao dispor em seu art. 144, §4º, trazendo em seu conteúdo uma semente da garantia da separação do órgão acusador da Polícia Judiciária.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir um recurso extraordinário[8], reconheceu a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, no sentido de não ser nula a ação penal ajuizada com base em elementos colhidos em procedimento administrativo realizado pelo Ministério Público. Dessa forma, considerando a interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o sistema de investigação criminal pátrio não consolidou a garantia da separação do órgão acusador do investigador.

A Lei n° 12.830/2013 estabeleceu conceitos significativos para a delimitação da Polícia Judiciária, contando com dispositivos que buscam promover a atuação jurídica imparcial. Inicialmente firma um ponto importante para a compreensão da Polícia Judiciária: trata-se de uma atividade de natureza jurídica, essencial e exclusiva do Estado (art. 2º), o que remete a um tratamento que deve ser assemelhado ao da jurisdição.

A legislação, ao abordar a investigação criminal, aponta que sua condução deve ser realizada pelo titular da Polícia Judiciária, o delegado de polícia (art. 1º), além de disciplinar o meio adequado onde deve ser empreendida a investigação criminal (art. 2º, §1º), o inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei.

Da mesma forma, o §5º do art. 2º da lei supra referida vem a corroborar com a garantia da independência da autoridade de Polícia Judiciária, quando prevê que a remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado, pois protege o indivíduo em relação à cadeia de hierarquia e favorece a autonomia de atuação.

O §3º do art. 2º da Lei n° 12.830/2013 previa a condução da investigação criminal de acordo com o livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade, o que consolidaria a garantia da independência. No entanto, tal dispositivo foi vetado, sob o argumento de que poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições. Entretanto, como observa Sandro Dezan[9], “as razões do veto presidencial, a contrario sensu, deixaram assentes que o delegado de polícia possui sim autonomia, isenção e imparcialidade”.

Dessa forma, apesar da garantia da independência não estar explícita na Lei 12.830/2013, em razão do veto, está se revelando aos poucos nos demais dispositivos, os quais visam promover uma Polícia Judiciária imparcial e autônoma, a fim de que os direitos fundamentais das partes estejam garantidos, prevalecendo a verdade em cada investigação.


*Polyana de Medeiros Fernandes Pimenta. Delegada de Polícia Federal, especialista em Direito de Polícia Judiciária pela Academia Nacional de Polícia, lecionou na ANP nas áreas de Direitos Humanos e Direito Previdenciário. Atualmente é Chefe da Delegacia de Combate a Crimes Previdenciários, e é Diretora Regional da ADPF/RN.


[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[2] Idem.

[3]WERNER, Guilherme Cunha. Notas de aula. Disciplina: Direito Constitucional de Polícia Judiciária. Curso de Especialização em Direito de Polícia Judiciária, 11-16 set. 2017.

[4]PEREIRA, Eliomar da Silva. Conclusão: investigação criminal, Estado de Direito e sistema processual penal.In: PEREIRA, Eliomar da Silva; DEZAN, Sandro Lúcio (Coord.). Investigação criminal conduzida por delegado de polícia: comentários à Lei 12.830/2013. Juruá: Curitiba, 2013.

[5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismopenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[6]COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Da autonomia funcional e institucional da Polícia Judiciária. Corpus Delicti: Revista de Direito de Polícia Judiciária, Brasília, v. 1, n. 1, 2017. Disponível em <https://periodicos.pf.gov.br/index.php/RDPJ/article/view/469>. Acesso em: 15 dez. 2018.

[7] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismopenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,p. 614.

[8]STF. Resp 593727. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ: 14 mai. 2015.

[9]DEZAN, Sandro Lúcio. Art. 2º, §3º (vetado): o delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. In: PEREIRA, Eliomar da Silva; DEZAN, Sandro Lúcio (Coord.). Investigação criminal conduzida por delegado de polícia: comentários à Lei 12.830/2013. Juruá: Curitiba, 2013.

[10]DEZAN, Sandro Lúcio. Art. 2º, §3º (vetado): o delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. In: PEREIRA, Eliomar da Silva; DEZAN, Sandro Lúcio (Coord.). Investigação criminal conduzida por delegado de polícia: comentários à Lei 12.830/2013. Juruá: Curitiba, 2013.

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1 comentário
  • Vou imprimir e ler da maneira que gosto,anotando. Em princípio, acho uma aula para os ministros que pretendem investigar, acusar e julgar. Certamente vou citá-la no livro ques estou escrevendo. Conversaremos a respeito no nosso próximo almoço. Parabens.

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Escrito por maiara

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